A 326.ª Légua do Rio São Francisco, por Halfeld.

03/04/2013 10:12

A Cachoeira de Paulo Afonso.

 

No começo desta légua começa a grande cachoeira de PAULO AFFONSO; a sua primeira catadupa tem 44 palmos e 6 pollegadas de altura, e despenha-se em uma bacia guarnecida de rochas de granito talhadas quasi a prumo, e às vezes mesmo propensa, para dentro do Rio; desta bacia faz o Rio uma curva volta em ângulo recto à esquerda, e precipita-se entre alcantilados penhascos no fundo de uma abysmo de uma altura de 6 palmos e 1 pollegada, transformando-se em conseqüência deste salto, apparentemente em em espuma de leite, lançando e estufando a grande altura, e semelhante ao effeito da explosão  de uma mina, grandes borbotões de água aos ares, que se desfazem em neblina que se eleva ainda a maior altura, a qual sendo carregada pelo impulso do vendo rega constantemente a considerável distância a margem opposta ao lado d’onde vem os ventos ou cahe em um chuveiro de milhares de perolas brilhantes para dentro do abysmo desta catadupa. É interessante observar esta maravilha pela manhã, quando o reflexo dos raios solares produzem um magnífico Arco-Íris, penetrando o vapor elevado sobre as águas da cachoeira; o estrondoso ruído que causa esta catadupa é tão forte que, fallando uma pessoa a outra junta ao pé de si, nada se pode se pode ouvir, e vê-se sómente mover a boca da pessoa que falla; a pressão do ar produzida pelo tombo da imensa massa d’água do Rio, faz um efeito maior do que centenaes de ventaneiras unidas de uma fábrica de ferro. Transformadas por esta catadupa as águas em um rio de leite, precipitão-se estas em grandes rolos e ondas, e entre rochedos e alcantilados de granito, batendo em ângulo recto contra a margem esquerda do Rio. Esta margem consiste em rocha nativa de granito, que tem 365 palmos de altura até á superfície d’água, tendo esta ainda 120 palmos de profundidade; o ímpeto com que as águas se precipitão contra aquelle paredão, as faz constantemente subir e descer até do ponto do contacto com aquelle rochedo; para a direita, em ângulo recto, ellas descem pelo leito do Rio abaixo, porem para a esquerda, como não tem sahída, produzem em conseqüência do seu movimento de avançar e retroceder, um vai-vem semelhante ás ondas do mar nas praias, do que tem resultado, de milhares de annos para cá, o desmoronamento da rocha, e não só formado uma pequena enseada, mas também uma lapa ou furna para dentro do rochedo, que tem o comprimento de 444 palmos, e sua boca ou entrada 80 palmos de algura e 40 de largura, dividida no interior em doas grandes salões, habitações de milhares de morcegos, e por isso denominada Furna dos Morcegos, flagello das criações. Os fazendeiros vizinhos juntão-se em numero de 20 a 30 pessoas para extingui-los; levão então em certos intervallos de tempo lenha e ramos para dentro da lapa, para fazer uma fogueira de muita fumaça, e por este meio um numero imenso  de morcegos morre todos os annos; porém insignificante resultado produz esta matança, porque o immenso numero de rochedos dispersos no leito do Rio e sobre as suas margens são outros tantos escondrijos destes animais. A rocha tanto a em que se acha a furna, bem como em toda a extensão da cachoeira, é de granito duríssimo, de grão fino, e na verdade é incomprehensível como tem sido possível que as águas do Rio pudessem formar tal furna em um rochedo de tanta rigidez. Esto inclinado a attribuir este facto á circumstancia, de que o grantio, na linha da furna bem como na direcção do Rio, na boca della abaixo até ao riacho da Gangorra, apresenta muitas veias de espatho calcareo, de feldspatho cor de carne e de quartzo, as quaes têm a largura de ¼ até 5 pollegadas; o granito ao lado desta veias é menos duro, e ás vezes decomposto e saturado com muriato de soda, e em tanta abundância, que os moradores vizinhos á cachoeira, minerão esta pedra decomposta para em ponto pequeno extrahir o sal; o exame e analyses das amostras das pedras, que juntarei a estas notas, podem melhor verificar a sua natureza. Estou inclinado a pensar que as circumstancias agora indicadas respeito á fácil decomposição daquelle rochedo, em direcção e largura que comprehende todas a vias mencionadas, terá provavelmente motivado a má destruição da furna pelo Rio abaixo, acontecimento que poderá ter dado lugar á formação e actual existência da cachoeira, cujo leito está realmente excavado para dentro do rochedo, pois a grande distancia para ambos os lados dos barrancos alcantilados do Rio, apresenta o terreno uma extensa planície sem morros ou serras, que podião ter motivado as catadupas da cachoeira de Paulo Affonso; a parte superior desta no lugar denominado Vai-Vem de Cima, tem 792 palmos e 1 pollegada de altura sobre o nível do mar, e próximo á entrada para a Furna do Morcego, 426 palmos e 6 pollegadas; portanto toda a cachoeira tem a altura de 365 palmos e 3 pollegadas entre os pontos mencionados. Na ressaca do Vai-Vem de Baixo, juntão-se a muitos tocos de madeira, de taboas, remos, etc., que em constante movimento e fricção entr si, ficão a final quasi redondos e burnidos, e dão em contacto entre si, certo som semelhante ao gelo que desce pelos rios do norte, no momento de desfazer-se. Os moradores, não attendendo ao motivo natural, tomão uma vezes por musica celeste, outra vez como toque de caixa de guerra, e muitas fábulas neste sentido andão entre aquelles povos, que dizem que em certas épocas, costuma apparecer uam Santa no Interior da Furna do Morcego, e até contão que um frade na ocasião de atravessar o Rio superior á cachoeira, dormia na canoa em que navegava; o piloto que era então um Índio, não podendo conter a canôa, quando foi atrahido pela correnteza à cachoeira, desceu por esta abaixo;  este ultimo nunca mais foi visto, porém o frade, sem acordar e sem lhe contar o incommodo algum, chegou felizmente ao fim da cachoeira á praia, e foi achado dormindo. Acordado pel povo, de nada se lembrou do acontecimento, por que lhe tinha passado sem ter dado por  isso, o que tudo são histórias e effeito de superstição que reina entre aquelle povo, pois certíssimo é que, se cahisse qualquer canoa pela segunda catadupa da cachoeira de Paulo Affonso ella seria infalivelmente despedaçada, e bem assim pereceria qualquer ente vivo.

 

Do lugar da Furna do Morcego abaixo, recebe o rio pelo lado da margem direita sucessivamente os seus braços, que descem entre as anteriormente mencionadas ilhas de S. Gonçalo, do Félix e da Forquilha, e mais o riacho do nome da última, do Tapuio, da Gangorra e o da Lagôa do Junco, e nota-se a Cachoeira da Forquilha, do Tapuio e do Veado.

 

Da cachoeira de Paulo Affonso abaixo até ao porto das Piranhas, são as águas do Rio apertadas, e correm encachoeiradas entre rochedos alcantilados de 350 a 800 palmos de altura perpendicular, os quaes, com excepção de mui poucos lugares, como no Porto do Salgado, Monte Escuro, Sítio Novo, etc., são inaccessíveis para admitir a descida para o rio. Estes rochedos são vulgarmente por aqui  denominado Talhado. De maneira que, em geral, a largura do rio é reduzida a poucas centenas de palmos, e até ás vezes a menos, como na cachoeira da Garganta, onde o Rio tem somente 85 palmos de largura, correndo com uma bica de ferir de um moinho, entre paredões de rocha a prumo de 350 palmos de altura.