A Petição do Protesto de Ulysses de Carvalho Soares Brandão

03/04/2013 16:00

Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal Dr. Godofredo Cunha.

 

O Estado de Pernambuco, representado por seu Governador Dr. Estácio Coimbra e baseado na Constituição, art. 59, parag. 1, letra C, expõe a este Egrégio Tribunal a questão territorial que tem contra o Estado da Bahia e protesta, para salvaguarda e conservação do seu direito, na forma que se segue:

 

Em 28 de setembro de 1532, El-rei D. João III, escrevendo a Martin Afonso comunicou-lhe a sua resolução de dividir este País em capitanias.

 

Assim obrando, por carta régia de 10 de março de 1534, em paga dos seus bons serviços, fez mercê e irrevogável doação da capitania de Pernambuco a Duarte Coelho, fidalgo de sua casa.

 

Por esta carta régia a extensão e os limites da capitania eram estes:

 

“Sessenta léguas de terra na dita costa do Brasil, as quais se começarão no Rio São Francisco, que é do Cabo de Santo Agostinho para o Sul, e acabarão no rio que cerca em redondo toda a ilha de Itamaracá, ao qual rio ora novamente ponho o nome Rio de Santa Cruz e mando que assim se nomeie, e se chame daqui em diante, e isto com tal declaração que ficará com o dito Duarte Coelho a terra da banda do Sul e o dito rio, onde Cristóvão Jacques fez a primeira casa de minha feitoria; pelo rio a dentro ao longo da praia se porá um padrão de minhas armas, e do dito padrão se lançará uma linha cortando ao Oeste pela terra firme a dentro, e a terra da dita linha para o Sul será do dito Duarte Coelho, e do dito padrão pelo rio abaixo para a barra e mar, ficará assim mesmo com ele Duarte Coelho a metade do Rio Santa Cruz para banda do Sul, e assim entrará na dita terra a demarcação dela todo Rio de São Francisco, e a metade do Rio Santa Cruz pela demarcação sobredita, pelos quais rios elle dará serventia aos vizinhos dela, de uma parte e da outra e havendo na fronteira da dita demarcação algumas ilhas hei por bem que sejam do dito Duarte Coelho, e annexar a esta sua capitania, sendo as taes ilhas até a dez léguas do mar na fronteira da dita demarcação pela linha de Leste, a qual linha se estenderá do meio da barra do Rio de Santa Cruz, cortando-se de largo ao longo da costa, e entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme a dentro, tanto quanto puderem entrar, e for de minha conquista, na qual terra pela sobredita demarcação lhe assim faço doação e mercê de juro, e de herdade para todo sempre como dito é e quero, e me praz que o dito Duarte Coelho, e todos seus herdeiros e sucessores que a dita terra herdarem e sucederem, se possam chamar capitães e governadores della. (Memórias históricas, de Fernandes Gama, volume I. pág. 42)”. Nota I

 

E por carta régia de 5 de abril de 1534, fez doação e mercê a Francisco Pereira Coutinho a capitania da Bahia, com a extensão e os seguintes limites:

 

Cinqüenta léguas de terra na dita costa do Brasil, as quaes se começarão para o Sul, até ponta da Bahia de Todos os Santos entrando nesta terra a demarcação delles toda a Bahia de Todos os Santos e a largura della de ponta a ponta se contará nas ditas cinqüenta léguas e não havendo dentro do dito limite as ditas cinqüenta léguas ser-lhe-á entregue a parte que para cumprimento dellas faliecer para a banda do Sul, as quaes cinqüenta léguas se extenderão e serão de largo ao longo da costa, entrando na mesma largura pelo sertão e terra firme a dentro tanto quanto puder entrar e for de minha conquista”. (Archivo Nacional, cópia tirada na Torre do Tombo, do L. 7.º,Fls. 110 v e seguintes). (Nota II).

 

Esta carta régia foi regulamentada pelo foral de 26 de agosto, como aquella pelo foral de 24 de setembro de 1534, sem alteração dos limites traçados em uma e em outra, pelo contrário, ratificando-os.

 

Ahi está, pois, nestas cartas régias com os seus foraes, a declaração dos limites das duas capitanias ou melhormente da porção de território doado a cada uma dellas.

 

Essas cartas régias, decretos do poder soberano, com força de lei, são pois, os títulos originários de domínio das capitanias depois províncias e agora Estados de Pernambuco e da Bahia.

 

No ano Seguinte Duarte Coelho pronto-donatário, entrou na posse da sua capitania, estabelecendo a sua capital em Olinda e cuidando logo da conquista e exploração do Rio São Francisco, que, depois, da sua morte, foi continuada pela sua viúva D. Brittes e seus filhos Duarte e Jorge de Albuquerque, segundo e terceiro donatário da mesma capitania (Orbe Seráfico ou Choronica dos Frades Menores da Província do Brasil, de Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, vol II, pág. 183, n.ºs 169 e 170).

 

Com a morte de Francisco Pereira Coutinho, primeiro donatário da Bahia, que havia, também, tomado posse da sua capitania, D. João III resolvendo dar nova feição a administração colonial, pelo Regimento de 17 de dezembro de 1548, nomeou a Thomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil, com jurisdição em todo o território, com excepção da Capitania de Pernambuco. (Revista do Instituto Histórico da Bahia, vol. 3.º de 1895).

 

Tanto esse regimento nada innovou nesta capitania, que Duarte Coelho, em carta de 24 de novembro de 1550, dirigida a Dom João III – “agradece-lhe não haver alteração em cousa alguma, por ocasião de crear um Governador Geral para o Brasil, nas estipulações contidas na doação que lhe fizera e ordenado que o Governador nenhuma jurisdicção tivesse sobre ella, onde não iria nem também nenhuma outra autoridade” (Brasil Histórico, de Mello Moraes, vol. I, pág. 189). 

 

A posse dos Albuquerques, estava nessa época tão bem firmadas pelas bandas do Rio São Francisco que o melhor historiador bahiano assevera “que é da Capitania de Pernambuco” e que “nem em perseguição do gentio, pela gente da bahia era lícito transpô-lo sem licença dos Albuquerques de Pernambuco” (Fr. Vicente do Salvador. História do Brasil, liv. IV, cap. XXI).

 

Dahi em diante esta capitania conservou a posse mansa e pacífica desse alto sertão de São Francisco ou Sertão de Rodellas. Assim chamado porque Francisco Rodellas era o chefe dos índios que lá habitavam e que, em 29 de agosto de 1674, foi nomeado “capitão dos índios”, como se vê das cartas régias dirigidas aos Governadores e Capitães-mores de Pernambuco, sempre que o assunto se relacionava com esse alto sertão e outrossim das distribuições de suas terras, em grandes ou pequenas sesmarias feitas pelos mesmos Governadores. (F. A. Pereira da Costa – Em prol da integridade do território de Pernambuco, págs.6 a 12.

 

Em 1630, começou para a capitania de Pernambuco, um período terrível de guerras e de lutas intestinas. Desde então até 1654 com os holandeses, dahi até 1697, com os palmares e de 1710 a 1715, com os mascates.

 

No meio dessas lutas intestinas é que foi perturbada a sua posse mansa e pacífica sobre esse Sertão, mais tarde, Comarca do Sertão de Pernambuco, da qual foi desmembrada a Comarca do Rio de São Francisco.

 

D. João de Lencastro, que foi Governador Geral do Estado do Brasil, com sede na Bahia, de 1694 a 1702, é que invadiu esse território pernambucano fundando no Sertão de Rodellas o arraial dos índios, de onde surgiram as povoações de Barra, Pilão Arcado, Campo Alegre e outras, que deram logar às controvérsias.

 

O Governo de Pernambuco protestou sempre contra essa turbação da sua posse. E o governo da metrópole nunca deixou de reconhecer este território como fazendo parte dessa capitania.

 

Haja vista o alvará de 21 de janeiro de 1699, dirigido ao Governador da Capitania de Pernambuco, e não a D. João de Lencastro, “sobre o Governador Camarão, que abusava da sua jurisdição para com os índios, que administrava no Rio de São Francisco”...

 

E a provisão de 12 de janeiro de 1733 declarando extinto o seu cargo, que também foi dirigida ao Governador desta capitania.

 

Em 1707 e 1708 o governador de Pernambuco, Castro e Caldas e em 1710, o Bispo Dom Álvares da Costa, seu successor, deram várias concessões de terras no sertão do Rio São Francisco. (Informação Geral, na Bibliotheca Nacional, pág. 271 e 345).

 

A provisão de 16 de fevereiro de 1698, dada pelo Rei ao Governador de Pernambuco, Mello Castro, durante a administração de D. João de Lencastro sobre o remédio temporal que se deve dar ao sertão de Rodellas, é categórica: “Me pareceu dizer-vos que sendo estes distritctos da jurisidicção dessa Capitania de Pernambuco, ordeneis que de 5 em 5 léguas haja um juiz ordinário com jurisdição de tirar devassas, tomar as denunciações e querellas dos delictos que alli se fizerem e remete-los por traslados ao ouvidor geral dessa capitania para se proceder nesta matéria como for de justiça. (Cartas Régias I...5.º de 1693 a 1701 pág. 342).

 

Ainda o Governador Geral Dom Sancho de Faro e Souza, em 7 de fevereiro de 1719, deu permissão ao Padre Domingo Sancho Ferreira para fazer estradas nos mocambos do Distrito de Jacobina, que pertence à Bahia, com a condição de que “ellas não chegassem senão até o Rio de São Francisco”. (Portarias e Ordens de 1701, T. II fls. 270). Porque este era o divisor de Pernambuco com a Bahia.

 

Estabelecendo-se conflicto entre os juizes ds correições de Pernambuco e da Bahia, foi o mesmo levado ao conhecimento do tribunal competente para resolve-lo, o Conselho Ultramarino que, depois de ouvir as partes decidiu em favor de Pernambuco mandando lavrar a Provisão Régia de 11 de janeiro de 1715, que reafirmou o seu domínio e posse sobre o território do Sertão das Rodellas, em litígio e até separou-o do juízo de correição da Vila de Jacobina, pertencente a Bahia.

 

Dessa época em diante a posse de Pernambuco sobre este território, não foi mais perturbada pela Bahia.

 

Em 1803, porém, o ouvidor da Comarca de Jacobina, Dr. José da Silva Magalhães, achou-se com direito de extender a sua correição pela do Miradouro, do Rio de São Francisco.

 

Mas logo no anno seguinte, quando Dr. Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Governador de Mato Grosso, removido para Pernambuco, vinha por terra assumir o seu cargo, de passagem pela vila da Barra do Rio Grande, recebeu uma representação dos seus habitantes contra este ouvidor “um ministro que, por paixões partidárias, os queria sujeitar à diversas Capitanias e priva-los do honroso nome de pernambucanos, que elles com tanta glória tinham herdado dos seus maiores.

 

Da mesma Ilha do Miradouro, Caetano Pinto officiou ao ouvidor, que ficou de responder-lhe na cabeça da comarca, o que não fez.

 

E do Recife, dirigiu-se em 11 de março de 1805, ao Governador e Capitão General da Bahia Francisco da Cunha Menezes, mostrando o direito de Pernambuco a certos districtos da comarca de Jacobina e reclamando contra os actos do ouvidor desta comarca attentatórios deste direito.

 

O Governador enviou para a Corte esta reclamação instruindo-a com as informações do ouvidor, de 30 de julho de 1805, que a contraria quer quanto aos factos, quer quanto ao direito.

 

O príncipe regente, por aviso de 27 de novembro de 1805, mandou examinar a questão pelo Conselho Ultramarino, ficando os referidos districtos interinamente pertencendo à Capitania da Bahia, até a decisão final, o que foi comunicado, por aviso na mesma data, ao Governador de Pernambuco pelo Visconde de Anadias. (Ordens reaes de 1804 a 1810, L.47.) (Nota III).

 

Antes do aviso, este Governador dirigiu ao Ministro o ofício de 22 de julho de 1805, e em sua resposta officiou em 8 de março de 1806, “para se fazer a necessária combinação das razões que se produziram por parte da capitania da Bahia, com as que passo a produzir a favor de Pernambuco.” (Correspondência da Corte,L.16). (nota IV).

 

Quatro annos depois o Conselho Ultramarino decidiu a questão a favor de Caetano Pinto, mandando criar a Comarca do Sertão de Pernambuco, pelo alvará de 15 de janeiro de 1810. (Nota V).

 

Desta comarca é que foi desmembrada, pelo alvará de 3 de junho de 1820, a comarca do Rio de São Francisco. (Nota VI).

 

E Caetano Pinto de Miranda Montenegro com aqueles officios, fundamentados e documentados, digamos mesmo, com esses memoriais histórico-jurídicos apresentados ao Conselho Ultramarino, ficou sendo o primeiro defensor da integridade do solo pernambucano, e o único que obteve a victória.

 

Em 1817, por ocasião da revolução republicana, não foi usurpada nem sequer perturbada a posse da Capitania sobre a comarca do Sertão de Pernambuco, como querem alguns historiadores, pois El-rei, com o aviso de 28 de março de 1817, mandou que o Governo de Minas cortasse toda a comunicação e correspondência da sua capitania com a de Pernambuco, considerando réu de Lesa-Magestade quem entretivesse relações com esta Capitania revoltada, que foi revogado pelo aviso de 22 de julho, cessando os motivos para embaraçar essa communicação. (Colleção de Leis Brasileiras, por L. M. S. P. vol. III).

 

Foi depois de proclamada a Confederação do Equador, que a posse de Pernambuco sobre a Comarca do Rio São Francisco lhe foi usurpada, no conjuncto das penalidades que a provincia soffreu por suas idéias democráticas e republicanas.

 

Por um ato discrecionário de soberania absoluta distribuindo terras aos vassalos, o Decreto de 7 de julho de 1824, contrário à Constituição outorgada pelo próprio D. Pedro I, foi essa comarca desligada da província e incorporada provisoriamente à de Minas Gerais e enquanto a Assembléia, próxima a instalar-se, não organizasse um plano geral de divisão conveniente.

 

Reunida esta Assembléia a 3 de maio de 1826, sem que Pedro I lhe desse a menor satisfação o Deputado Vasconcellos apresentou um pedido de informações  sobre esse acto ditactorial na legislatura do ano seguinte.

 

Estas informações foram prestadas pelo Imperador declarando que no mesmo Decreto expendeu as razões dessa separação de território. Por brevidade, reporta-se à transcripção dos debates na Assembléia Nacional, feita pelo Dr. Gonçalves Maia. (Direito Territorial de Pernambuco sobre a Comarca do Rio São Francisco, págs. 110 a 141). (Nota VII).

 

No Senado, depois de renhida discussão, foi approvada pelo Projecto da Lei, que sancionado por Pedro I, constitue o Decreto de 15 de outubro de 1827, nestes termos.

 

Tendo resolvido a Assembléia Geral Legislativa que a Comarca de São Francisco, que se acha PROVISORIAMENTE incorporada à Província de Minas, em virtude do Decreto de 7 de julho de 1824, fique PROVISORIAMENTE incorporada à Província da Bahia, até que se faça a organização das Províncias do Império...

 

Foi então, rejeitada a emenda do Senador Pernambucano, Márquez de Inhambupe, assim concebida:

 

Proponho que depois de 1824 se diga – “fique novamente incorporada à província de Pernambuco, a que dantes desta data pertencia”, até que se faça a organização das províncias do Império – que é o resto do artigo. Salvo a redacção.

 

Bem como a indicação do Visconde de Caethé:

 

Requeiro o adiamento do presente projecto até que se faça a organização das províncias do Império”. (Nota VIII).

 

“Nesse tempo, nem jamais em tempo algum, se pensou nessa organização.

 

Na Republica menos que no Império. O que não impede da Bahia, ainda, achar-se na posse provisória da comarca de São Francisco, se bem que o direito de Pernambuco seja incontestável, perpétuo, irrevogável, exclusivo e ilimitado, reconhecido e respeitado até pelo caudilho e dictador coroado, que foi o nosso primeiro imperante”. (Ulysses Brandão. Esboço Histórico-jurídico da questão Pernambuco versus Bahia).

 

Em a sessão do Senado Federal de 26 de maio de 1896, o Senador pelo Estado de Pernambuco, Dr. João Barbalho Uchoa Cavalcanti, apresentou o seguinte projecto de lei, que foi aprovado em primeira e rejeitado em segunda discussão:

 

O Congresso Nacional decreta:

 

Art. 1.º - É restituído e fica definitivamente pertencendo ao Estado de Pernambuco o território da antiga comarca do Rio São Francisco, que provisoriamente fora annexada à província da Bahia pela resolução legislativa de outubro de 1827.

 

Art. 2.º - São revogadas as disposições em contrário.

 

Por brevidade, ainda reporta-se à transcrição dos discursos proferidos na discussão deste projecto, feita pelo Dr. Pereira da Costa (Em prol da integridade do território de Pernambuco, págs. 22 a 24 e 82 a 90). (Nota IX).

 

Cumpre notar que esta memória apresentada pelo Instituto Archeológico, Histórico e Geográphico Pernambucano ao Senado Federal, ficou consignada nos seus annaes, tendo sido publicada no Diário do Congresso Nacional, de 5 de novembro de 1896.

 

E que no Senado Estadual em 27 de junho, approvou unanimemente a indicação de vários senadores e sustentada pelo Barão de Nazareth:

 

“O Senado de Pernambuco interpreta os sentimentos do povo pernambucano, solicitando do Congresso Federal a aprovação do projecto que restitui a este Estado a comarca do Rio São Francisco, que foi “provisoriamente” annexada ao Estado da Bahia como punição à heróica altivez daquele povo na luta sacrosanta pela liberdade e em prol da República.” (Nota X).

 

O Estado de Pernambuco tornou a reclamar o seu território no Congresso de Geographia de Bello Horizonte, onde o seu representante, Dr. Gonçalves Maia, apresentou a sua citada memória, que foi unanimemente aprovada pelo Instituto Archeológico. (Direito Territorial de Pernambuco sobre a Comarca do Rio São Francisco).

 

Allega o Estado da Bahia, em seu favor o uti possidetis, que “só é aplicável quando não há limites por qualquer forma, e tem sido um critério peculiar às nações da América Latina para a resolução das suas questões sobre extremas territoriaes. “(Clóves Bevilácqua. Direito Público Internacional, T. I. parág. 67).

 

A jurisprudência deste Egrégio Tribunal é no sentido que:

 

O princípio de uti possidetis não pode ser aplicado à solução da questão de limite entre os Estados da União.

 

E o direito territorial de Pernambuco envolve uma questão de limites.

 

Allega, ainda, a Bahia a prescripção acquisitiva ou ad usucapionem, quando no direito público interno ella não pode ser aplicada para dirimir questões de limites de circumcripções administrativas ou de divisões políticas e administrativas.

 

Há, em nosso direito público internacional, ou de alguma nação civilizada, pergunta Pedro Lessa, um preceito qualquer que de algum modo consagre a prescrição como meio de alterar os limites das divisões administrativas e políticas?

 

Não conheço, não tenho a mais apagada idéia de tal norma jurídica.

 

A prescrição aquisitiva ou ad usucapionem é inadimíssível nos casos mais propriamente, de jurisdição entre províncias ou Estados, foram os votos de Pedro Lessa e Lafayette em questões de limites. (Revista do Supremo Tribunal, vol. VI, pág. 137 e vol. V, pág. 502).

 

Allega mais, a ocupação, quando além de ser este um modo originário, só produz efeitos jurídicos quando o objecto da apreensão não tem dono, é res nullius.

 

Allega, outrossim, em seu favor as condições resolutivas e suspensivas, quando “en cas de défaillance de la condition l’acte conditionel ser repute n’avoir jamais été fait; est un acte inutle.  Il n’avait pas encore produit d’effets, e til est  désormais certain qu’il n’en produira jamais » (Planiol. Tr. Elém, de droit civil, vol. 1, pag.122) ou em outro caso:

 

“O direito pendente de uma condição suspensiva ainda não tem existência: a condição obsta, até, a que ele venha a nascer. Nem sequer se sabe se esse direito nascerá jamais.” (Planiol, ib. pág. 121).

 

Pelo pouco que fica dito, se vê que essas alegações são improcedentes, como se provará com mais amplitude, quando o Estado de Pernambuco[1] julgar oportuno exercitar o seu direito, promovendo uma ação de reivindicação perante este Egrégio Tribunal.

 

O Estado da Bahia quer levar a termo definitivo a sua posse provisória, condicional e a título precário, fundada num decreto implicitamente revogado pela perpetuação de sua condição.

 

Quando, como diz Lafayette, “a posse não pode ser invocada em assunto de limites de jurisdição do Poder Público, como elemento gerador de Direito.” Além de que, acrescenta o mesmo jurisconsulto, “uma província ou Estado não pode ter por deliberação própria, expressa ou tácita, ceder a outra uma parte do seu território ou adquirir parte do território alheio.

 

Se o fizesse, teria por ato próprio alterado os seus limites, o que é do poder central.

 

Consoante a Constituição da República, os limites dos Estados são os mesmos traçadas às antigas províncias pela Constituição do Império. Recorrendo a esta, verifica-se que fora mantida a divisão do território brasileiro na forma em que se achavam no momento da sua outorga. A lei de 20 de outubro de 1823 que converteu as antigas capitanias em províncias, nada alterou quanto aos limites das mesmas.

 

O território dos Estados ficou, pois, sendo o mesmo que o das províncias e o destas o mesmo que o das capitanias.

 

Por conseqüência a Comarca do Rio São Francisco que pertenceu à capitania e à província, como ficou demonstrado histórica e juridicamente, pertence hoje ao Estado de Pernambuco.

 

Há, porém, quem diga que a posse centenária e imemorial vale por um título, sem compreender que, para assim valer, ela deve ser isenta de contestação, pois no dizer de Heffiter “um século da posse injusta não basta para expurgar o vício de origem”.

 

Todavia, para evitar dúvidas futuras, e em consequencia do exposto, o Estado de Pernambuco, para defesa, salvaguarda e conservação do seu direito territorial sobre a Comarca do rio de S. Francisco, protesta contra o Estado da Bahia, que pretende usurpal-o, e requer a V. Ex.  ou ao Sr. Ministro deste Egrégio Tribunal, a quem for distribuído este protesto, que assim interpõe, de conformidade com os artigos 233 e 234, da lei n. 848, de 11 de outubro de 1890 e depois de tomado por termo, que sirva-se mandar intimar, por carta precatória ao Exmo. Sr. Governador do Estado da Bahia, Dr. Góes Calmon para que fique bem sciente do mesmo, bem como, ao Sr. Dr. Procurador Geral da República, por se tratar de uma questão que tem de ser affecta a esse Egrégio Tribunal.

 

Nestes Temos, D. e A. este protesto – Pede Deferimento.

 

Rio de Janeiro, 5 de junho de 1927. Como advogado Ulysses de Carvalho Soares Brandão.

 

                                Termo do Protesto

 

Aos treze dias do mez de junho do anno de 1927, na sala das sessões deste Egrégio Tribunal Federal e ahi, perante o exmo. Sr. Ministro Edmundo Pereira lins a quem foi distribuido este Protesto[2], commigo escrivão abaixo nomeado, compareceu o dr. Ulysses de Carvalho Soares Brandão como advogado do Estado de Pernambuco, e por elle foi dito que, em nome do seu constituinte e na forma da sua petição retro, constante de fls. 1 a 13, que fica fazendo parte integrante deste termo, protesta para defeza, salvaguarda e conservação do seu direito contra o Estado da Bahia, tudo de acordo com referida petição. E de como assim o disse, eu, Augusto Cordeiro de Mello, escrivão, lavrei este termo que vae devidamente assignado. – Augusto Cordeiro de Mello, escrivão; Ulysses de Carvalho Soares Brandão.



[1] Estado de Pernambuco. Agora, Estado de Alagoas reclamando a reintegração das ilhas do rio São Francisco.

[2] Fonte: Diário do Estado, do Diário de Pernambuco e do Jornal do Brasil, respectivamente, de 27, de 31 de julho e 6 de agosto de 1927.